Com a luz do espelho,
ele se encara. Os olhos de calmaria sonolenta apontam para os cachos,
nem tão longos e nem tão curtos, que se abraçam circularmente,
despencando à procura de companhia. Eles conseguem tocar somente o
início da testa, na qual repousa uma despreocupada e mínima ruga que, de
tão superficial, parece nunca querer feri-la.
Dentre
as travessas memórias do rosto, dos tempos de criança, vale mencionar a
fenda horizontal abaixo do globo esquerdo e o borrão cicatrizado no
canto da boca. Desenham o pouco do rosto que não é envolvido pela nuvem
negra e indolente de pêlos. A unidade do conjunto escuro dava-lhe a
sensação de personalidade própria. Uma elegância deselegante que atraía
alguns do mesmo modo que repelia outros. O bigode, comprido como o de
Dali, por vezes montava na boca, dominando-a.
O
rosto foge do estático enquanto se observa. Esta é a parte que ele mais
gosta. Uma cara sorridente esboçou uma certa preguiça acomodada. A boca
se mexia artisticamente para esconder seu interior ao moldar as
palavras imprecisas e vagas que soltava de vez em quando.
São
apenas três, as pintas no conjunto todo. Duas estão dos lados, onde
cada orelha surpreende seu macio lóbulo, lembrando-os de que ali
poderiam perfeitamente estar as carinhosas e sensíveis joias de uma
dama. A outra é uma perturbada ermitã na superfície reta do nariz. E
digo que era tão solitária, que se fosse personagem de livro iria ser
confundida com D.Quixote enquanto dava cambalhotas, nu, em seu retiro na
Serra Morena.
Por
fim, restou a região mais difícil. Os pêlos sobre os olhos formavam uma
ponte quase completa, a não ser por alguns fios que faltavam. Mas com
cara de bravo, qualquer um poderia se aventurar a passar por ali. Agora,
os espiões, que mais enxergam que são enxergados, passavam a sensação
de que evitavam a eles mesmos. Eram escorregadios, procurando se
esconder atrás de uma muralha de pálpebras de pedra, que o rapaz lutava
para não prevalecerem. Vencedoras, apagou a luz e foi dormir.