sexta-feira, 29 de abril de 2011

inverno

Minha estação tinha chegado e a única coisa que eu conseguia sentir eram aquelas mãos felpudas. Cada momento era um pedacinho a mais de mim que entrava em contato com o mundo - eu estava nascendo. Viria, a seguir, o breve e frio momento da minha existência. Me perguntava o motivo daquelas sempre mãos felpudas apalpando-me para me dar forma. Eram as mãos de Deus: criavam um homem, imagem e semelhança.

Até que um dia consegui enxergar. Deram-me olhos para ver que era tudo muito branco. Algumas gotas de luz colorida manchavam o chão à minha volta e todos eram felizes. Estavam radiantes com minha chegada. Os dias iam passando e eu ficava assistindo algumas crianças correndo pra lá e pra cá. De vez em quando vinha uma delas e me colocava um chapéu pra proteger do sol. E eu ficava muito grato, me sentia amado e querido.

Só que esse mesmo sol começou a ficar cada vez mais forte. Por mais que eu gostasse do calor, era como se eu não pudesse coexistir com ele. Eu me vi diminuindo, ficando mais baixo e disforme. E então entendi. Eu derretia. Meu próprio ser como eu o entendia era efêmero, mas minha essência era eterna. Só um ciclo da minha vida não era o suficente para conhecer tudo o que eu queria. Eu teria que evaporar e subir pro céu e voltar pra terra muitas vezes.

Até que outra estação viria e eu poderia ter essa mesma forma de novo e viver mais uma vida, conhecendo tudo de novo pela primeira vez.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Essa é do Moraes

Eu tava lá, descendorrua e descendonível. Tava entrando em uma nóia cada vez maior enquanto a calçada ficava mais áspera e o gosto do ácido já sumia da boca.
Tropecei. Tá batendo, caralho.
O chão era mesmo bem áspero e o sangue sujava minha camiseta de 15 reais de vermelho fosforecente. Tinha tanta bituca no chão que eu me senti como qualquer merda dentro de um cinzeiro imundo. Só não queria ser aquela porra de chiclete que sempre jogam no cinzeiro. Putaquepariu. Sempre tem unzinho que vai e joga aquela porra mascada e babada lá dentro.
Eu queria era entrar naquela boca, queria sentir aquela coisa toda molhada e o movimento repetitivo com o barulho também repetitivo. Queria encostar em cada lugarzinho daquele buraco quente e úmido. Mas chiclete não queria ser. Não queria ser jogado na merda do cinzeiro imundo e não queria ser amassado, mascado e nojentamente descartado com um monte de cigarros.
Putaquepariu, isso não.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

passa por aqui?

pra gente fumar mil cigarros
pra gente beber coca cola
pra gente papear um pouco
por gente ficar por aí

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

22

só o que eu vejo são copos e pratos sujos.
os cinzeiros estão cheios e os jornais no chão,
como se não passasse ninguém por aqui nas últimas semanas.

mas foi exatamente o contrário.
a casa estava cheia e todos comemoraram muito.

o que falta é o pensamento de que a vida continua
e quem sobra aqui sou só eu.

só o que eu tenho são um casaco e um vestido
e a lembrança de que um dia isso já foi meu presente
e não uma memória borrada pelo álcool ou pela fumaça do seu cigarro quase apagado.

eu só queria entender

um pouco mais de tudo que está em volta.

em cima, dos lados, dentro.

a gente fica preocupado e não entende. a preocupação dá um certo medo e muitas coisas começam a passar pela nossa cabeça, que gira inevitalvemnete muitas vezes até parar.