sexta-feira, 16 de abril de 2010

Vitrolando

Imagine um disco circular preto com um buraco no meio, feito de plástico. É filho do petróleo. Ele é misterioso. Muitas vezes, se deixados de lado por um tempo, guardados em suas capas, não vão ser conhecidos em essência. Essas são todas as pessoas que passam pelas ruas, que te vendem um pão, algumas que trabalham com você. São pessoas desconhecidas, ou que se fecham, por vontade própria ou não.

Na verdade, não se consegue enxergar nada olhando para um vinil, também. Apenas se chegar muito perto. Dá para ver pequenos sulcos. Essas depressões marcadas mostram quem ele realmente é. Mesmo assim, só com o tocador se consegue extrair algo íntimo, suas notas. Os homens, com suas ideias, procuram entender como se expressar, como expor seu interior para o mundo. Questionam algum sentido nebuloso, obscuro que a sua existência possa ter.

Algumas vezes é difícil de perceber o jeito que se sente à vontade pra isso. Alguns cantam, escrevem, pintam. Outros são ótimos oradores, constroem pontes, educam como ninguém. Cada uma dessas funções funciona como uma espécie de vitrola. Ela pode ser meio estranha, não funcionar perfeitamente. Mas é a melhor forma que qualquer outro poderá conhecer esse ser humano.

Muitas vezes os homens deixam de perceber para onde suas decisões os vão levando. Eles estão desnorteados, rodando e rodando, sem saber qual será a próxima música. Fazem isso por que não descobriram ainda um suporte desses que pode lhes fazer bem. Mas para contrariar a expressão andar em círculos, esse objeto circular nunca gira à toa. Gira somente quando colocado em uma vitrola e nos mostra suas canções. E esse movimento não quer dizer estagnação, mas evolução, transformação.

O tempo também não fica parado em momento algum. É por isso que a cada minuto de rotação, o plástico negro vai sendo ferido pela agulha. As ranhuras podem ficar mais largas, tortas. O chiado aparece, ele já não é mais o mesmo. Cada influência que os homens recebem fará com que tomem outras decisões no futuro. A memória e história de cada um dependem de cada momento. Cada uma montando parte de sua existência.

A vida de um homem se extingue da mesma forma que a música, que o tocador extrai do vinil, cessa. A agulha vai se deslocando, meio atrevida, para onde já não é útil. O centro, ilustrado por um logo colorido, começa a ser riscado e o único som audível é um barulho irritante. O disco acabou.

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