domingo, 9 de maio de 2010

H2O

"Ela é branca e brilhante, informe e fresca, passiva e obstinada em seu único vício: o peso; dispõe de meios excepcionais para satisfazer esse vício: contornando, penetrando, erodindo, filtrando.

Dentro dela mesma esse vício também age: ela desmorona incessantemente, renuncia a cada instante a qualquer forma, só tende a humilhar-se, esparrama-se de bruços no chão, quase cadáver como os monges de algumas ordens [...]

Poderíamos quase dizer que a água é louca devido a essa necessidade histérica de só obedecer ao seu peso, que a possui como uma ideia fixa [...]

LÍQUIDO é por definição o que prefere obedecer ao peso e manter sua forma, o que recusa toda forma para obedecer a seu peso. E que perde toda compostura por causa dessa ideia fixa, desse escrúpulo doentio [...]

Inquietude da água: sensível à menor mudança de inclinação. Saltando as escadas com os dois pés ao mesmo tempo. Brincalhona, de uma obediência pueril, voltando logo que a chamamos mudando a inclinação para este lado."

Francis Ponge, Le Parti pris des choses